Veste sempre uma camisola de lã, mesmo de Verão, o que além de inevitalvelmente ter de lhe fazer calor, lhe dá um ar de refugiado de alguma parte, acabado de chegar, sem bagagem e sem destino:Está sentado ,quase imóvel,no banco de lona articulado sem mover a cabeça numa ou noutra direcção, acompanhando apenas com os olhos este ou aquele que por ali passam,com a pressa dos selos fiscais, das fotos à la minute, ou de mais um impresso que sempre falta à boca dos guichés, Repousa as mãos afiladas , de dedos longos e postura delicada, numa prancheta de cartão prensado,cor verde garrafa, e os olhos observam desinteressados o que acontece em cem graus de visão, os quais se recusa a aumentar ,aconteça o que acontecer(...).
Preenche impressos a cinquenta escudos escreve cartas a setenta escudos e os anafabetos são o seu mercado.Mas,principalmente ,preenche impressos postado que está em posição fronteira ao Arquivo de identificação, onde mesmo os analfabetos têm de ter uma identidade e um cartão que a prove, com um número , uma cara e uma impressão digital.As cartas são menos frequentes mas todos os dias pelo menos uma tem que escrever , o que faz sem emendas em silêncio ,após alguns minutos de conversa com o remetente para conhecer o conteúdo e o destinatário.Mostra-se , mais do que insensível impermeabilizado aos assuntos que lhe sugerem para tema das relações que alinha em letra pontiguada e agressiva , consoante a sintaxe que conhece e a vulgaridade das vidas sem história,ou das dificuldades em grandeza de que lhe dão conta.Pedem-lhe normalmente para escrever que tudo vai bem, que as crianças estão na escola, que vivem numa parte de casa , mas que en breve se vão mudar, que arranjaram um andar só para eles ou que em breve começarão num emprego muito melhor.Quase sempre as coisas estão dificeis mas todos dizem que vão melhorar (...)Mas a maioria do seu trabalho é já se sabe com os impressos ,nome,apelido,morada,nome do pai nome da mãe ,profissão estado. É com isso que aparentemente se governa ,escrevendo maiúsculas em quadradinhos verdes do computador, tudo o que nós, Portugueses somos ou mais das vezes ,o que deixámos de ser.
No outro dia teve um sobressalto.Pediram-lhe para escrever uma carta de amor .Não lhe pediram assim. Foi um freguês , um homem ainda novo, de pele escura, com um endereço e código postal para o Sul,que lhe disse:
-Tenho uma carta para vocemecê escrever. Quanto é?
- Setenta escudos até duas páginas.O que quer dizer na carta?
- È para uma rapariga. Não quero dizer nada de especial. Não tenho nada para dizer. Quero só mandar-lhe dizer que gosto dela e penso nela todos os dias.Pode ser?
Sorriu olhando demoradamente que tinha á sua frente e que o olhava com ansiedade.Volte daqui a uma hora já deve estar pronta .Vamos ver se sou capaz.
Depois, agarrou num velho bloco cujas páginas já iam em metade e tirou uma velha caneta de tinta permanente ,guardando a esferográfica que usava nos impressos e pôs-se à escrita ,começando "Meu Amor",. Escreveu uma página e outra e outra, dos dois lados das folhas, até a caligrafia saía diferente com a letra menos inclinada e mais arredondada até acabar«...custa-me viver assim, longe de ti, a pensar no que estás a fazer a qualquer momento.Não me sais do pensamento.Quando estivermos juntos não nos separeremos mais .Amo.te».
Quando o rapaz voltou ., perguntou-lhe o nome e assinou a carta. Escreveu cuidadosamente o envelope, com destinatária e remetente e entregou-lhe, sem o fechar com um sorriso feliz:
-Pronto meta no correio .A mim você não deve nada.
E quem por ali estivesse a observá-lo ,na sua camisola de lã, as mãos delicadas repousando na prancheta de cartão verde -garrafa,sobre os joelhos dobrados pela posição no banco de lona articulado, descobrir-lhe-ia ,na cara quase sem expressão , e nos olhos aparentemente desinteressados ,um sorriso e um brilho que sendo quse indecifráveis ,se poderia apostar que eram de felicidade.
Joaquim Letria,
Uma carta de amor
Retorno! Me reapresentando!
Há 8 anos
Desconhecia e foi um belíssimo momento de leitura e reflexão. Obrigado pela partilha:)
ResponderEliminarBeijocas
é semprte bom recordar a escrita de Joquim Letria
ResponderEliminarmararavel.blogspot.com
ResponderEliminarNão tinha o prazer de conhecer esta carta do Joaquim Letria. Está fantástica.
ResponderEliminarAbraço
Compadre Alentejano
Olá Alexa que maravilhoso é visitar este espaço! Parabéns pelo excelente trabalho aqui desenvolvido. Excelente sua publicação “Uma ccarta de amor“, texto belissimo,grande escrita, uma grande contribuição. Feliz e honrado por sua amizade. Acredito; aquele que caminha sozinho pode até chegar mais rápido... Porém quem segue acompanhado de um amigo com certeza vai mais longe... Espero sua visita! Encontrar-nos-emos sempre por aqui. Votos de uma semana recheada de sucesso, muita paz, saúde, brilho, bênçãos, proteção e alegria. Fique com Deus. Um abraço fraterno.
ResponderEliminarValdemir Reis
Obrigado por me recordares esta carta_________________________ Muito obrigado *
ResponderEliminarTanta gente que escreve coisas tão simples sobre a vida simples de tanta gente!
ResponderEliminarComo é rica a vida simples da gente. Quanto pudemos aprender com ela!
Obrigado pela partilha de um excelente texto, escrito por um jornalista de grande mérito.
Parabéns pela escolha...
Um beijinho
Querido amigo valdemir Reis
ResponderEliminarnão consigo postar no seu sítio mas li o texto sobre o mamão e vou tentar incluilo na minha dieta alimentar ,Ob,. pelas belas palavras palavras aqui ditas um forte abraço
Esse é um espaço maravilhoso. Parabéns por essa linda postagem "Uma carta de amor".
ResponderEliminarAbraços,
Uma bela e sentida carta de amor.....
ResponderEliminarComo as palavras simples são entendidas por todos.....
Obrigada pela partilha de esta carta que desconhecia.
Beijokitas
Alexa,
ResponderEliminarÈ sempre um enorme prazer ler Joaquim Letria. Não conhecia este belissimo texto.
Obrigado pela partilha! Adorei...
Beijos!
Não conhecia esta carta do Joaquim Letria, mas com a sua simplicidade é um bom retrato.
ResponderEliminarCumps
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ResponderEliminaro melhor de joaquim letria,
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Vivemos o apogeu da incultura de massas. Nas escolas e nos meios electrónicos, em vez da outorga da soberania, impingem o direito à felicidade na completa incultura.
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conchinhas deixo,
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Pela solidariedade, pelo apoio de 21 de Abril venho deixar o meu abraço de gratidão.
ResponderEliminarBem hajas, linda!
Gosto sempre de vir aqui, pela selecção que fazes nas tuas publicações... eu escolhê-las-ia também, porque sim.
ResponderEliminarUm beijo [e o coração é grande, sim :)]
Graça
Sabes, ainda bem que falámos deste post o que me levou a vir vê-lo.Os olhos cansados e a letra pequenina fizeram com que selecionasse o texto e com o azul de fundo e letras brancas fiquei maravilhado e li tudo como que preso à magia do autor que me fez pensar em como eu gostaria também de escrever uma carta de amor.
ResponderEliminarNunca escrevi uma a quem amasse com sentimento e na minha adolescência comprava uns livrinhos nas feiras por dez tostões onde vinham modelos de cartas de amor e copiava várias e enviava às meninas que conhecia na esperança que alguma quisesse namorar comigo, e depois ficava à espera de resposta. Nunca ouve uma que respondesse, mas as amigas vinham-me dizer que a carta tinha sido lida por todas e que escrevia muito bem.
Um dia também eu miúdo ainda, escrevi cartas para um caseiro dos meus avós que tinha a mulher internada com tuberculose no Caramulo e que era analfabeto, mas as cartas eram-me ditadas. Também eu gostaria de escrever uma carta de amor a quem amasse de verdade, como o homem que parava frente ao Arquivo de identificação, sentado no seu banco de lona que preenchia os papeis dos BI e que ia tomar café aquela pastelaria com um toldo amarelo e letras vermelhas. Para quem não tinha emprego como eu, que sabia escrever e lidava bem com impressos e tinha uma caligrafia geitosa era a maneira de ganhar uns trocos que davam para a bucha e para alimentar os putos. E de repente eu,encarnei o velho homem de camisola escura e sentado naquele banco de lona que se fechava e que o homem da pastelaria guardava para mim para não andar com ele no autocarro , escrevi essa carta de amor para a amada de um freguês que não sabia escrever, que tinha tão pouco ou menos do que eu e que me queria pagar para eu escrever a carta. Não lhe levei dinheiro porque afinal ele deu-me alguém que eu não conhecia, mas que amei enquanto com caligrafia cuidada ia soltando os meus sentimentos que no meu imaginário tinham destinatário. Afinal acho que consegui escrever a minha única carta de amor na vida. Um beijo querida amiga deste sonhador contador de histórias.
Um abraço ao Letria
ResponderEliminaruma referência
da arte de bem escrever
Alex
ResponderEliminarQue bela carta de amor.
Gostei de ler.
beijinhos
Foi bom ler Letria.
ResponderEliminarUm abraço.
Alexa,
ResponderEliminarNão conhecia esta "carta" e confesso que me surpreendeu. Será que os tempos ainda não mudaram? A ser verdade, deixa-me a pensar...
E triste.
Um abraço
Joaquim Letria...um guardião de tamanhas palavras.
ResponderEliminarBoa escolha para um post de beleza e sentimento.
Uma coisa podemos ter a certeza...não sabendo onde e quando...há sempre um bom coração.
até
E, assim se vai distribuindo Amor.
ResponderEliminarGostei. Verdadeiramente.
Deixo um beijo com sabor a Liberdade,
Maria Faia
Não conhecia, de todo, esta carta de amor. Já tem uns tempinhos, certamente, pois que o escudo já deixou de usar-se há alguns anos mas, penso, cartas de amor ainda se escrevem. Em quem estaria a pensar o nosso "escritor"? Nalguém muito querido, certamente. É que se assim não fosse, o amor não cairia na conta certa no papel que estava à sua frente.
ResponderEliminarBeijinhos
Bem-hajas!