sexta-feira, 24 de abril de 2009

ORIGINAL È O POETA -HOMENAGEM A ARY DOS SANTOS

25 DE ABRIL SEMPRE




Original é o poeta
que se origina a si mesmo
que numa sílaba é seta
noutro plasmo ou catacliamo
o que se atira ao poema
como se fosse um abismo
e faz um filho ás palavras
na cama do romantismo.
Original é o poeta
capaz de escrever um sismo.

Original é o poeta
de origem clara e comum
que sendo de toda a parte
não é de lugar nenhum
O que gera a própria arte
na força de ser só um
por todos a quem a sorte faz
devorar um jejum
Original é o poeta
que de todos for só um.

Original é o poeta
expulso do paraíso
por saber compreeder
o que é o choro e o riso;
aquele que desce à rua
bebe copos quebras nozes
e ferra em quem tem juizo
versos brancos e ferozes.
Original é o poeta que é gato de sete vozes.

Original é o poeta
que chegar ao despudor
de escrever todos os dias
como se fizesse amor esse que despe a poesia
uma mulher e nela emprenha a alegria
de se um homem qualquer
ARY DOS SANTOS

terça-feira, 21 de abril de 2009

UMA CARTA DE AMOR

Veste sempre uma camisola de lã, mesmo de Verão, o que além de inevitalvelmente ter de lhe fazer calor, lhe dá um ar de refugiado de alguma parte, acabado de chegar, sem bagagem e sem destino:Está sentado ,quase imóvel,no banco de lona articulado sem mover a cabeça numa ou noutra direcção, acompanhando apenas com os olhos este ou aquele que por ali passam,com a pressa dos selos fiscais, das fotos à la minute, ou de mais um impresso que sempre falta à boca dos guichés, Repousa as mãos afiladas , de dedos longos e postura delicada, numa prancheta de cartão prensado,cor verde garrafa, e os olhos observam desinteressados o que acontece em cem graus de visão, os quais se recusa a aumentar ,aconteça o que acontecer(...).
Preenche impressos a cinquenta escudos escreve cartas a setenta escudos e os anafabetos são o seu mercado.Mas,principalmente ,preenche impressos postado que está em posição fronteira ao Arquivo de identificação, onde mesmo os analfabetos têm de ter uma identidade e um cartão que a prove, com um número , uma cara e uma impressão digital.As cartas são menos frequentes mas todos os dias pelo menos uma tem que escrever , o que faz sem emendas em silêncio ,após alguns minutos de conversa com o remetente para conhecer o conteúdo e o destinatário.Mostra-se , mais do que insensível impermeabilizado aos assuntos que lhe sugerem para tema das relações que alinha em letra pontiguada e agressiva , consoante a sintaxe que conhece e a vulgaridade das vidas sem história,ou das dificuldades em grandeza de que lhe dão conta.Pedem-lhe normalmente para escrever que tudo vai bem, que as crianças estão na escola, que vivem numa parte de casa , mas que en breve se vão mudar, que arranjaram um andar só para eles ou que em breve começarão num emprego muito melhor.Quase sempre as coisas estão dificeis mas todos dizem que vão melhorar (...)Mas a maioria do seu trabalho é já se sabe com os impressos ,nome,apelido,morada,nome do pai nome da mãe ,profissão estado. É com isso que aparentemente se governa ,escrevendo maiúsculas em quadradinhos verdes do computador, tudo o que nós, Portugueses somos ou mais das vezes ,o que deixámos de ser.
No outro dia teve um sobressalto.Pediram-lhe para escrever uma carta de amor .Não lhe pediram assim. Foi um freguês , um homem ainda novo, de pele escura, com um endereço e código postal para o Sul,que lhe disse:
-Tenho uma carta para vocemecê escrever. Quanto é?
- Setenta escudos até duas páginas.O que quer dizer na carta?
- È para uma rapariga. Não quero dizer nada de especial. Não tenho nada para dizer. Quero só mandar-lhe dizer que gosto dela e penso nela todos os dias.Pode ser?
Sorriu olhando demoradamente que tinha á sua frente e que o olhava com ansiedade.Volte daqui a uma hora já deve estar pronta .Vamos ver se sou capaz.
Depois, agarrou num velho bloco cujas páginas já iam em metade e tirou uma velha caneta de tinta permanente ,guardando a esferográfica que usava nos impressos e pôs-se à escrita ,começando "Meu Amor",. Escreveu uma página e outra e outra, dos dois lados das folhas, até a caligrafia saía diferente com a letra menos inclinada e mais arredondada até acabar«...custa-me viver assim, longe de ti, a pensar no que estás a fazer a qualquer momento.Não me sais do pensamento.Quando estivermos juntos não nos separeremos mais .Amo.te».
Quando o rapaz voltou ., perguntou-lhe o nome e assinou a carta. Escreveu cuidadosamente o envelope, com destinatária e remetente e entregou-lhe, sem o fechar com um sorriso feliz:
-Pronto meta no correio .A mim você não deve nada.
E quem por ali estivesse a observá-lo ,na sua camisola de lã, as mãos delicadas repousando na prancheta de cartão verde -garrafa,sobre os joelhos dobrados pela posição no banco de lona articulado, descobrir-lhe-ia ,na cara quase sem expressão , e nos olhos aparentemente desinteressados ,um sorriso e um brilho que sendo quse indecifráveis ,se poderia apostar que eram de felicidade.

Joaquim Letria,
Uma carta de amor

quinta-feira, 16 de abril de 2009

O DIÀRIO DE ADRIAN MOLE

Domingo,2 de Janeiro

Hoje analisei a minha aparência. Só cresci alguns centímetros no último ano, portanto tenho que me convencer de que vou ser uma daquelas pessoas que nunca vêem bem no cinema.
A minha pele está uma lástima, as minhas orelhas são espetadas o meu cabelo tem trés riscos e, por mais que o penteie não consigo que fique à moda.

Segunda feira ,3 de Janeiro

Estão a decorrer negociações entre o meu pai e a minha mãe para regressarem ao seu estado marital. A minha mãe disse:« Mas como pode resultar ,Adrian ? Há tanta coisa para esquecer»
Eu sugeri a hipnose.

Terça -feira, 4 de Janeiro
Mais negociações à porta fechada. Quando saiu , pedi ao meu pai um relatório do encontro.« Respondeu sem coméntários» e entrou para o carro.

Quarta-feira,5 de Janeiro
As negociações foram interrompidas
Ouvi o açucareiro partir-se no chão e vozes altas. Depois ,a porta a bater.

Quinta feira ,6 de janeiro
Uma mensagen foi enviada por um intermediário (eu).Novas negociações seriam bem vindas. A mensagem foi transmitida e a resposta favorável, por isso fui encarregue de tratar dos pormenores de hora ,local e ama-seca.

Sexta -feira, 7 de Janeiro
O encontro decorreu num restaurante chinês às 8 da noite. As negociações prolongaram-se pela noite fora e só foram interrompidas quando uma das partes regressou a casa para dar de comer ao bébé.

Sábado 8 de Janeiro
Ambas as partes emitiram o seguinte comunicado:
Fica acordado que Pauline Monica Mole e George Alfred Mole, tentaram viver em mútua harmonia durante o périodo experimental de um mês .Se durante o período experimental de um mês.Se durante esse período Pauline Monica Mole, a doravante referida como PMM, e George Alfred Mole, o doravante referido como GAM quebrarem o(...)a acordo, então ele será considerado nulo e o processo de divórcio seguir-se-á automaticamente

Terça -feira, 1 de Fevereiro
Hoje apareceram as primeiras falhas no acordo matrimonial: uma discussão sobre dinheiro.
Somos mantidos pelo Estado no estilo em que o Estado nos quer manter, isto na pobreza.Os meus pais não suportam mesmo serem pobres.Para mim tudo bem, estou habituado. Nunca mais mais de trés libras por semana a que chamar minhas.

Sexta -feira ,4 de Fevereiro
Passei o dia na enfermaria da escola devido a ter-me sentido fraco na primeira aula (EF):A enfermeira perguntou-me se alguma coisa me corria mal em casa . Eu comecei a chorar e disse que estava tudo bem. «Os adultos têm vidas complicadas, Adrian. Não é só ficar a pé até tarde e ter a sua própria chave de casa!»
Eu disse que os meus pais deviam ter moral, ser consistentes,com principios.
Ela respondeu «isso é pedir muito:» Fi-la prometer que não dizia a ninguém que me tinha visto a chorar. Ela prometeu e amavelmente deixou-me ficar até os meus olhos voltarem ao normal.
ela prometeu e amavelmente deixou-me ficar até os meus olhos voltarem ao normal.

Terça -feira 8 de Fevereiro
Não me perguntem como tenho aguentado os longos dias de escola.Ando de um lado para o outro como um robot sorridente.Mas a minha alma chora,chora,chora. Tomara que os professores soubessem que uma palavra menos amável da parte deles me enche os olhos de lágrimas.
Safo-me dizendo que sofro de conjuntivite, mas às vezes é por pouco.
Hoje acaba o período experimental.
1 da manhã. Ambas as partes concordaram com um prolongamento.

(...)



Sue townsend,
Adrian Mole na crise da adolescência

domingo, 12 de abril de 2009

PERPLEXIDADE

A criança estava perplexa.Tinha os olhos maiores e mais brilhantes do que nos outros dias,e um risquinho novo ,vertical,entre as sobrancelhas breves «não percebo»,disse.
em frente da televisão ,os pais .Olhar para o pequeno ecrã era a maneira de olharem um para o outro .Mas nessa noite ,nem isso .Ela fazia tricô, ele tinha o jornal aberto. Mas tricô e jornal eram alibis.Nessa noite recusaram mesmo o ecrã onde os seus olhares se confundiam. A menina, porém ,ainda não tinha idade para fingimentos tão adultos e subtis, e sentada no chão , olhava de frente ,com toda a sua alma.E então o olhar grande, a rugazinha e aquilo de não perceber.
«Não percebo», repetiu.
«O que é que não percebes?», disse a mãe por dizer ,no fim da carreira, aproveitando a deixa para rasgar o silêncio ruidoso em que alguém espancava alguém com requintes de malvadez.
«Isto por exemplo.»
«Isto o quê?»
«Sei lá. a vida»,disse a criança com sereiedade.
O pai dobrou o jornal quis saber qual era o problema que preocupava tanto a filha com oito anos, tão subitamente.Como de costume preparava-se para lhe explicar todos os problemas , os da artimética e os outros,
«Tudo o que nos dizem para não fazermos é mentira»
«Não percebo»
«Ora, tanta coisa.tudo.Tenho pensado muito e... Dizem-nos para não matar,para não bater. Até não beber álcool,porque faz mal. E depois a televisão...Nos filmes, nos anúncios...Como é a vida, afinal?».
A mãe largou o tricô e engoliu em seco. O pai respirou fundo como quem se prepara para uma corrida díficil.
«Ora vejamos,»,disse ele olhando para o tecto em busca de inspiração.«A vida...»
Mas não era tão fácil de explicar como isso falar do desrespeito ,do desamor, do absurdo que ele aceitara como normal e que a filha de oito anos,recusava.
«Avida...»,repetiu
As agulhas do triçô tinham recomeçado aesvoaçar como pássaros de asas cortadas.

Mªjudite de Carvalho,in O Jornal

quinta-feira, 9 de abril de 2009

INVENÇÂO DA ESCRITA

Com as minhas mãos calejadas e fortes
aprendi a trabalhar novos materiais:
depois da pedra veio o bronze,
depois da madeira o aço, o barro e o ouro.
Eu não parava de crescer
em tudo aquilo que aprendia,
eu não parava de me deslumbrar
com tudo aquilo que descobria
e ainda me faltava aprender
tanta,tanta coisa.Um dia
disse para comigo: «O que aprenderes
também deves ensinar»,
e foi assim que fiz dos filhos
meus alunos e dos alunos
meus herdeiros.Ensinei-os
a usar o fogo, a erguer a cabana
a fazer a sementeira,a olhar os astros a amar a natureza
a construir a embarcação,a fazer a sementeira
a olhar os astros ,a amar a natureza,
a acreditar no sonho, a falar
com os pássaros com os rios,
a decifrar as vozes do vento e do trovão.
Fiz da terra ampla e livre
a escola em que aprendi e ensinei.
e um dia disse «É preciso deixar sinal
de tudo aquilo que já sei .»
Olhei de novo para as minhas mãos
e pedi-lhes, a elas e ao pensamento,
um novo e derradeiro esforço
foi assim que inventei a palavra «escrita»,
primeiro com imagens,
por fim com letras,
O que eu tinha já caminhado,
por veredas íngremes e por estradas largas,
até chegar ali: ao fascinio de uma palavra
erguida com tinta negra
sobre papiro, sobre pergaminho ,sobre papel.

José Jorgr Letria
No voo de uma palavra
(1991)




segunda-feira, 6 de abril de 2009

CONSELHOS DE UM FILHO A TODOS OS PAIS DO MUNDO

«» Não me dês tudo aquilo que eu peço. As vezes só o faço para ver até quanto tu me podes dar.

«» Não me grites Respeito-te menos quando o fazes e também ensinas-me a gritar e eu não quero fazê-lo.

«»Não me dês ordens.Se em vez de ordens às vezes pedires as coisas ,eu fa-lo-ei mais rápido e com mais prazer.

«» Cumpre as tuas promessas boas ou más.Se me prometeres uma prenda dás-ma e se merecer um castigo, dás-mo também.

«»Não me compares com ninguém, especialmente com o meu irmão ou irmã.Se tu me fazes sentir melhor que o resto, alguém vai sofrer e se me fazes sentir pior que os outros serei eu quem sofre.

«» Não mudes com
tanta frequência de opinião acerca daquilo que eu devo fazer.
Decide e mantêm essa decisão.

«» Deixa-me valer por mim próprio. Se tu fazes tudo por mim eu nunca poderei aprender.

«» Não digas mentiras, nem me peças que eu o faça por ti.
Fazes-me sentir mal e perder a fé naquilo que tu me dizes.


«» Quando eu faço algo de mau , não exijas que te diga o porquê e porque o fiz.

«» Quando te enganas, nalguma coisa, admite-o e crescerá o respeito que eu tenho por ti e ensinas-me simultâneamente a aceitar os meus erros também.

«» Trata-me com a mesma afabilidade e cordialialidade com que tratas os teus amigos . O facto de nós sermos família não significa que não possamos ser amigos também.

«» Não me digas para fazer uma coisa quando tu não a fazes eu aprendo aquilo que tu fazes embora não o diga ,mas nunca farei o que tu me pedes e não o fazes.

«» Quando te conto os meus problemas, não digas "Não tenho tempo para parvoices" ou "isso não tem importância" trata de me compreender e de me ajudar.

«» Finalmente ama-me e diz-mo .Eu gosto de te ouvir dizer , embora não aches necessário dizer-mo.


Neo-farmaceutica
Unidade de nutrição infantil

sábado, 4 de abril de 2009

AQUI TE AMO...

Aquí te amo
En los oscuros pinos se desenreda el viento.
Fosforece la luna sobre las aguas errantes.
Andam días iguales perseguiéndose.


Se desciñe la niebla en danzantes figuras.
Una gaviota de plata se descuelga del ocaso.
A vaces una vela. Altas, altas estrellas.
o la cruz negra de un barco
Solo



PABLO NERUDA